E lá se foi Bebel

Foi num dia qualquer, um dia desses em que você cai, bate com a cabeça na quina, numa pilastra, um poste e se vai, morre.
Foi assim com ela. 
Da mesma forma que apareceu na minha vida, ela se foi. 
Não foi doença um câncer,  a raiva ou outro animal que a tenha devorado e lhe privado de seus belos saltos e passeios pela rua com sua classe, sua elegância, sua sutileza felina.
Lembro de todos os momentos de nossa convivência. 
Era arisca, inteligente, valente e muito dócil. Sua doçura selvagem, seu estado de alerta, seu instinto animal, sua luta pela sobrevivência na rua, exposta aos perigos do tráfego de carros, motos e utilitários, dava-lhe exuberância ao caminhar por entre as pessoas nas calçadas do bairro. 
Ela era tranquila, elegante, saudável, tinha um pelo de causar inveja aos lobisomens, 
as mulas sem-cabeça, aos vampiros diários que se escondem atrás da capa. 
Vivia na minha rua sob as árvores, embaixo de carros estacionados e sob a chuva e o sol convivendo diariamente com a violência das ruas sem deixar de enfrentá-la com todos seus malefícios e riscos. 
Assim era Bebel.
Nos afeiçoamos a ela e desenvolvemos um carinho até fácil de explicar, pela sua vida errante 
e sem lugar fixo ou habitação certa.
Um dia ela se foi. Como iremos um dia também.
Não se sabe se foi carro, moto ou agressão humana. Doença não foi. 
Ao vê-la rente à calçada inerte, sem vida, recolhi o seu pequenino e precioso corpo numa caixa, 
um saco ou sei lá o que.
Saí dali chorando, o peito ardente, a boca seca, o coração em pedaços, com uma dor pendente,
latente, deixando em mim uma grande certeza, quem ama vive de perdas, 
morre aos poucos todos os dias, mesmo assim é incapaz de entender essas perdas. 
Bebel deixou um grande vazio.

Comentários

Postagens mais visitadas